Tributos e Insegurança Pública


*Amilcar Fagundes Freitas Macedo


“A costela de que se havia de formar Eva, tirou-a Deus a Adão dormindo e não acordado, para mostrar o quão dificultosamente se tira aos homens e, ainda, com quanta suavidade se deve tirar para o seu proveito. Da criação e fábrica de Eva dependia não menos que a conservação e a propagação do gênero humano. Mas repurga tanto aos homens deixar arrancar de si aquilo que lhes tem convertido em carne e osso, ainda que seja para o bem de sua casa e de seus filhos. Por isso traçou Deus tirar a costela de Adão não acordado, mas dormindo. Adormeceu-lhes os sentidos para lhe escusar o sentimento. Com tanta suavidade como essa se há de tirar aos homens o que é necessário para a sua conservação da Pátria: tire-se a carne, tire-se o sangue, tire-se os ossos, que assim é a razão que seja. Mas tire-se com tal modo, com tal indústria, com tal suavidade, que os homens não o sintam, nem quase o vejam. Deus tirou a costela de Adão, mas ele não viu nem sentiu e, se soube, foi apenas por revelação...”

Essa citação faz parte do sermão proferido pelo Padre Antônio Vieira, em 14 de setembro de 1642, perante o Rei e Cortes Portuguesas, por ocasião da criação de imposto (a décima militar) que se destinaria a financiar a defesa da sociedade de então. Explica que a perda para a sociedade, naquele momento, se justificava pela necessidade da contribuição de cada um para com todos e representaria, ao final, um ganho em termos de segurança coletiva.

Nos dias atuais, somos chamados, como sociedade, a contribuir cada vez mais com impostos, como recentemente aconteceu aqui na Província de São Pedro, e que o vemos é uma população amedrontada, atemorizada, com medo de sair às ruas, haja vista o aumento no índice de latrocínios (matar para roubar) na casa de 35% em relação ao mesmo período do ano anterior, mais de 200% se compararmos com o ano de 2009. Os homicídios não ficam para trás, só vêm crescendo, fruto da guerra travada entre traficantes que, não raro, redunda em inocentes mortos.

Ao contrário do que preconizou PADRE VIEIRA, aqui, neste Brasil, os tributos nos são arrancados sem qualquer anestesia fiscal, a sangue frio e, ainda que financiemos, todos, os custos públicos de nossos direitos (por meio de tributos), o que temos recebido do Estado em termos de segurança, saúde e educação?

A segurança, como direito fundamental social, remete-nos à ideia de que o Estado não tem apenas a missão política, mas, sobretudo, o dever jurídico de agir para proteger as pessoas pela violação dos seus direitos fundamentais praticados por terceiros, até porque o Estado detém o monopólio do uso da força, devendo isso, também, ser invocado para fundamentar o dever de proteção do direito fundamental à segurança.

Recuperar esse Estado (que somos nós) é retomar a ideia de que toda pessoa – até os delinquentes -, pelo simples fato de sê-lo, tem deveres (em especial o de cumprir pena, de permanecer encarcerado); é impor a luta do bem sobre o mal, ou seja, jamais conferir primazia ao mal e deixá-lo espalhar seu fel, sua dor sobre pessoas inocentes e que sofrem o inimaginável, o inaceitável, sendo inadmissível ficarmos calados diante do quadro atual, especialmente quando o Estado, na sua conformação atual, quando faz, faz muito pouco ou quase nada, embora nos cobre por quase tudo.

 *Juiz-Corregedor-Geral da Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul

 

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