Equidade Racial: Pioneirismo do TJMRS em destaque no CNJ
A Agência CNJ publica nesta
semana, reportagem especial sobre a atuação dos tribunais do país em torno da
temática da equidade racial. A Justiça
Militar Gaúcha está em destaque no texto ao ser lembrada, especialmente, por
conta da implementação de sua política de cotas para estágio. Confira o texto na íntegra
Em um ano, pacto
entre tribunais impulsiona Justiça para equidade racial
A cor da pele ganha mais atenção no Poder Judiciário
enquanto referencial para estímulo à adoção de ações de promoção da equidade
racial. A preocupação com a formação de equipes nas unidades judiciárias que
guardem sintonia com a diversidade de origem do povo brasileiro se transforma
em reuniões, debates, projetos, programas, eventos e atitudes em tribunais de
todo o País. Esse processo, de promoção da equidade racial, se intensificou ao
longo dos últimos doze meses, após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
transformar, o que antes era preocupação, baseada em estatística, em
compromisso com a força de um documento carregado de apoio: o Pacto Nacional do
Poder Judiciário pela Equidade Racial.
Neste Mês da Consciência Negra de 2023, completa um ano do
lançamento tratado, hoje funciona como uma bússola que orienta os tribunais
para a adoção de ações inclusivas, na direção de uma Justiça sem discriminação
e sem preconceito. A adesão voluntária de todas as cortes a essa iniciativa do
CNJ faz com que surjam experiências de sucesso para o combate ao racismo e para
a transformação da cultura institucional do Poder Judiciário em prol de um
futuro com igualdade de oportunidades e de espaços. O pacto traz, para o
cidadão, a perspectiva de um serviço melhor, porque mais próximo da realidade
diversa do povo.
“É possível dizer que o pacto, para além de completar um
ano, fecha um ciclo de grandes iniciativas e de grandes mudanças”, atesta a
juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise de Souza, que, no Conselho,
atua como a gestora do pacto. “Durante este primeiro ano, houve um grande
engajamento dos tribunais no sentido de se pensar a questão racial para além do
Mês da Consciência Negra. Hoje, há gestores desse acordo em todos os tribunais
do País e essa adesão de 100% ao acordo foi muito importante para esses
gestores criarem uma rede de compartilhamento de boas práticas e ações que
caminham para a promoção da equidade racial.”
Curso
Nos tribunais, pelo Brasil afora, como consequência da
adesão das cortes ao pacto, surgiram os comitês de equidade de gênero, raça e
diversidade. “Isso é exemplar”, avalia a juíza auxiliar. Ela também cita como
desdobramento do acordo o oferecimento, pelo CNJ, de um curso de
aperfeiçoamento em equidade racial para a magistratura, que deverá se repetir
durante 2024, com planos para a participação de ao menos um representante de
cada corte. “Assim, mais gente terá contato com a temática”, justifica. “E, no
ano que vem, trabalharemos para o fortalecimento das ações, para a
implementação das sugestões que os gestores dos comitês dos tribunais fizeram.”
As contribuições que chegaram ao CNJ em 2023, citadas pela
gestora do pacto, são em grande parte resultado do II Seminário de Questões
Raciais no Poder Judiciário. Esse evento, que o CNJ promoveu em setembro
passado, serviu para debate sobre as políticas de ações afirmativas e também
foi oportunidade para a apresentação do Programa Nacional de Promoção da
Equidade Racial no Poder Judiciário e dos resultados da pesquisa Diagnóstico
Étnico-racial do Poder Judiciário. Esse estudo informa, por exemplo, sobre a
estimativa de tempo necessário para o regime de cotas alcançar a meta da
proporcionalidade em relação à população brasileira.
O CNJ abriga, desde março passado, o Fórum Nacional do Poder
Judiciário para a Equidade Racial (Fonaer), que representa um marco na
concepção do pacto e possui caráter nacional e permanente, com atribuição de
elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento do Sistema de
Justiça. Durante este ano, o Fonaer trabalhou na proposta de Política de
Equidade Racial do Poder Judiciário, documento que foi entregue ao presidente do
Fórum, o conselheiro do CNJ Vieira de Mello Filho, que então distribuiu a
minuta para avaliação dos colegas conselheiros e conselheiras. “Para 2024,
vamos lidar com metas de curto, médio e longo prazo”, explica a juíza gestora
do pacto.
Tribunais superiores promovem 1.ª Jornada Justiça e Equidade
Racial a partir de segunda (13/11)
Valongo
Na Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região
(TRF2), que tem sede no Rio de Janeiro (RJ) e jurisdição também no Espírito
Santo, foi a primeira corte a formalizar a sua adesão ao Pacto Nacional do
Judiciário pela Equidade Racial. Esse apoio tem significado emblemático: o
prédio do TRF2 na capital fluminense fica próximo ao sítio arqueológico Cais do
Valongo, o maior porto receptor de escravizados do mundo. No local, passaram
durante mais de 40 anos, conforme registros históricos, aproximadamente 1
milhão dos mais de 4 milhões de africanos trazidos à força para o Brasil nos
mais de três séculos de duração do regime escravagista.
“O atual presidente do TRF2, desembargador federal Guilherme
Calmon Nogueira da Gama, comprometeu-se a alinhar sua gestão à defesa dos
direitos humanos e fundamentais e, noticiada a celebração do pacto nacional,
recebi a orientação de adotar os meios necessários para a corte rapidamente
aderir aos seus termos”, lembra o juiz federal Fábio Cesar dos Santos Oliveira,
o gestor que representa a corte no acordo. Em 2023, esse tribunal aumentou o
acervo da sua biblioteca em 32 obras que tratam de equidade racial e fez o
relançamento da Cartilha de Direitos dos Povos Tradicionais de Matriz Africana,
livro idealizado pela produtora cultural Arethuza Dória, com auxílio da
ialorixá Bárcia D’Oxum.
Para os dias 10, 11 e 12 de abril de 2024, o TRF2 agendou a
I Jornada de Direitos Humanos e Fundamentais da Justiça Federal da 2ª Região,
cujo objetivo é estimular o debate entre especialistas e operadores do direito
para delinear posições interpretativas e adequar o tema às inovações
legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. A programação do evento está
disponível em página do site do tribunal, que dá acesso também às orientações
para apresentação de propostas de trabalhos que serão discutidas em sete
comissões temáticas. “A equidade racial será um dos eixos sob foco durante a
jornada”, explica o juiz Oliveira.
Projetos de lei
No Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), a
primeira entre todas as cortes do ramo eleitoral a aderir ao Pacto Nacional do
Judiciário pela Equidade Racial, uma iniciativa inclusiva evoluiu até se tornar
duas proposições legislativas, que tramitam simultaneamente na Assembleia
Legislativa do Paraná e no Congresso Nacional. O Programa Cidadania Plena, que
faz com que pessoal, equipamentos e serviços cheguem a comunidades indígenas e
quilombolas, permite o alistamento eleitoral, a revisão e a transferência de
título, o cadastramento biométrico e a emissão de certidões a moradores de
regiões de difícil acesso.
Em março deste ano, o TRE-PR promoveu o Seminário Caminhos
para a Igualde Racial na Política, ação multi-institucional que contou com a
participação da seção da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná, de comissões
municipais, de conselhos estaduais, de direções partidárias e de escolas. O
objetivo foi destacar e debater a sub-representação racial nos cargos eletivos.
“A pauta, a programação e a seleção dos painelistas levou em conta curadoria
feita por aqueles que vivem, nos seus cotidianos pessoais e profissionais, a
realidade do cenário de deficitária representação e desigualdade racial”,
explica o gestor do pacto na corte e coordenador executivo da Escola Judiciária
Eleitoral do Paraná, Jilian Rober Servat.
Mesa de honra
O evento do TRE-PR despertou interesse, atraiu público e,
claro, contou com cobertura fotográfica. “As imagens que registram o encontro
são positivamente impactantes porque revelam que ainda é incomum a mesa de
honra, em um tribunal, que seja formada exclusivamente por mulheres negras”,
explica Servat. Simultaneamente ao evento multi-institucional, o tribunal
paranaense organizou a exposição Presença Negra em Curitiba para dar
visibilidade à contribuição da etnia na construção da cultura da capital paranaense.
E o seminário acabou por se desdobrar em palestra e curso sobre letramento
racial destinados a magistrados e servidores. “A repercussão foi grande.”
A primeira corte militar a aderir ao pacto, o Tribunal de
Justiça Militar do Rio Grande do Sul (TJMRS), prepara a publicação de cartilha
sobre o racismo estrutural. Em 2020, alinhada à Resolução CNJ 336/2020, a
instituição editou portaria para a adoção de uma política de cotas para
estágios e, no último processo seletivo que promoveu, contou com uma banca de
heteroidentificação. “No início de 2024, a administração deve abrir novo
processo seletivo de estágio, quando será preservada a política de cotas”,
adianta o diretor-geral do tribunal, Rogério Nejar. “Neste Mês da Consciência
Negra, estamos ajustando a proposta de uma palestra para discutir a questão do
racismo na abordagem policial, tema que se relaciona com o nosso público
interno e com os nossos jurisdicionados.”
Prêmio
Para reconhecer as boas práticas promovidas pelos tribunais
na linha da promoção da equidade racial, a Resolução CNJ n. 519/2023, de 11 de
setembro de 2023, do CNJ, instituiu o Prêmio Equidade Racial do Poder
Judiciário. “Isso é para distinguir juízes, juízas e tribunais que promovam a
equidade racial nos seus territórios, uma iniciativa para fomentar o lançamento
de práticas que sejam eficientes e importantes”, explica a gestora do Pacto
Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial no CNJ.
A solenidade para entrega de selo honorífico aos
responsáveis pelas iniciativas mais bem avaliadas na primeira edição do certame
está marcada para 3 de julho de 2024, o Dia Nacional de Combate à Discriminação
Racial. Até o dia 30 de novembro, preferencialmente, o CNJ publicará prazos de
submissão e disposições específicas a respeito do tema.
Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias