Discurso proferido pelo presidente do TJM-RS durante a homenagem ao Desembargador Leo Lima


O Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul reúne-se, hoje, para, em sessão solene, proceder a entrega da Comenda do Mérito Judiciário Militar. 

Destina-se essa condecoração, a premiar cidadãos brasileiros ou estrangeiros, civis ou militares, que hajam prestado assinalados serviços ou demonstrado excepcional apreço à Justiça Militar.

Dado o inequívoco caráter militar das polícias militares, face à sua organização típica, de exercer uma função policial e ter uma estrutura militar, torna-se inarredável a existência de um foro castrense para tutelar o bem jurídico que a elas diz respeito.

O tirocínio das armas cedo mostrou que há fatos jurídicos peculiares à caserna, que requerem regulamentação própria, especialmente no campo do direito penal. Evoluiu a castrensis jurisdictio romana para corpos estáveis de normas expedidas pelo legislador civilmente constituído.

Sabe-se que, nas corporações militares estruturadas com base na hierarquia e disciplina, sob a égide de consciente obediência, é lógico e natural que seus integrantes tenham normas de conduta diferentes das adotadas pelos demais membros da sociedade, subordinando-os às regras mais rígidas e severas.

A formação profissional dos milicianos lhes impõe deveres e lhes outorga prerrogativas que só encontram fundamento e justificativa na destinação dos órgãos a que pertencem. Se a coragem, por exemplo, não é virtude indispensável para o civil, para o militar tem-se como atributo imperioso e compulsivo.

Se a teimosia e a desobediência, em certos casos, como nas tiranias, podem até significar traços elevados de personalidade para o homem comum, para o soldado erigem-se em verdadeiras ilicitudes.

Por tudo isso, onde existe força militar, deve haver também lugar para a justiça especial, pois os civis, desconhecendo a formação militar, dificilmente compreenderiam seus métodos de vida e sua filosofia de ação, cujas bases são a hierarquia e a disciplina.

Fiel às suas tradições, o Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul tem se mantido atento aos seus árduos encargos, convencido de que, aplicando serenamente a lei, à vista da condição probatória, estará honrando seu passado e correspondendo aos anseios da sociedade, como legítimo representante da justiça estadual.

Graças ao equilíbrio da composição dos magistrados, tem sido possível a esta corte desincumbir-se de seus duros encargos. Na compreensão exata de seus deveres, militares e civis identificam-se de tal modo, que bem se poderia afirmar, parodiando inspirado poeta pátrio, que aqui não se enrubesce a toga de ombrear com a farda, tampouco faz corar a farda chamá-la irmã.

Senhoras e Senhores.

Tenho a honra, como Presidente desta Corte quase Centenária, falar em nome de meus dignos pares, dirigindo-me ao insigne homenageado.

Leonardo da Vinci, uma das figuras mais importantes do Alto Renascimento, que se destacou como cientista, engenheiro, escultor, pintor e poeta, disse:

“Ao encontrardes um homem virtuoso e bom, não o aparteis de vós; honrai-o para que não tenha de fugir de vós e refugiar-se em cavernas nas montanhas. Olhai-o como mestre merecedor de estátuas e imagens”.

Eminente Desembargador Leo Lima, não recebeis hoje estátuas ou imagens, mas a comenda do Mérito Judiciário Militar, que tem um significado especialíssimo, pois ao longo de seus 30 anos de existência, foi outorgada a diminuto número de ilustrados cidadãos e renomadas instituições.

Neste momento, Des. Leo Lima, vale recordar o cenário da Região Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente dos Campos de Cima da Serra.

Quando, a partir do século XVI, o território começava a ser ocupado por jesuítas que traziam gado das Reduções e instalavam-se posseiros paranaenses e paulistas atraídos pela beleza e vastidão da paisagem, também começaram a surgir as primeiras demandas judiciais originadas pelos problemas de legitimidade das posses. Não só das terras, mas também do gado que se multiplicou aos milhares e em estado selvagem.

A partir de 1845, com a fundação de São Paulo de Lagoa Vermelha, os ânimos se acirrariam, principalmente em relação a Vacaria, originando uma sucessão de criações e anulações legais, ora decretando a sede municipal em Lagoa Vermelha, ora em Vacaria. As disputas eram de tais formas ferrenhas, ao ponto de, os dois municípios voltarem a pertencer a Santo Antônio da Patrulha – então o maior município do Rio Grande – pela Lei Estadual nº 391, de 26 de novembro de 1857.

Mas o povo de Lagoa Vermelha era bravo. Assim, a emancipação definitiva acabaria acontecendo em 10 de maio de 1881, pela Lei nº 1.309, tendo sido desligada definitivamente de Vacaria em 26 de janeiro de 1883.

Pois há quem afirme: aquele estado de demanda contumaz, a altitude de 820 metros, os gelados ventos andinos e polares, a temperatura que pode ir de 7º negativos a 32º positivos, a geada, a miscigenação entre guaranis, poloneses, alemães, italianos e portugueses como os Lima – esta uma palavra remotamente de origem celta e que significava limites destinados a proteger fronteiras – tudo isto, a par de talhar as pessoas à boa luta, também favoreceria, mais tarde, o surgimento de destacados e ilustres operadores do direito.

Se é lenda, é boa ficção e, certamente, forjada na realidade. O certo é que, bem mais tarde, o casal Nicanor Marques de Lima e Judith de Melo Lima, construindo o próprio destino naquelas paragens, teve 12 filhos. E vários deles, viriam a ser juristas destacados. O próprio Nicanor, na década de 30, antes de se tornar contador-distribuidor da Comarca de Lagoa Vermelha, foi suplente de juiz municipal. Mas na sua terra natal, todos sabem que o maior feito de Nicanor foi investir fortemente na educação dos filhos, dentre os quais surgiria o atual presidente de um dos Judiciários de maior e melhor conceito nacional do país.

O Desembargador Leo Lima nasceu, portanto, em Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, no dia 3 de março de 1948.

É casado com a professora Rosane Borda Lima, com quem tem dois filhos: Leonardo Borda Lima e Greice Borda Lima, cujo casamento com o advogado Francisco Loyola de Souza, deu ao Desembargador o neto Bento.

O lagoense Leo Lima iniciou seus estudos e concluiu o ginasial, nas Escolas locais Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Duque de Caxias.

De 1964 a 1966, já em Porto Alegre, Leo Lima frequentou o então denominado Curso Colegial com Orientação Clássica, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos.

Em 1967 começaria, efetivamente, a trilhar o caminho que o levaria ao ponto máximo de uma carreira brilhante: Leo Lima ingressava na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em 1968, ainda frequentando a faculdade de direito, fez o Curso de Preparação de Oficiais da Reserva, de Porto Alegre, o CPOR – tornando-se Oficial da Reserva do Exército.

De 1970 a 1972, estagiou no Setor de Assistência Jurídica da Superintendência dos Serviços Penitenciários do Estado – SUSEPE.

Em 1971, Leo Lima formou-se em Direito.

Em 1972 voltou à sua Lagoa Vermelha, onde exerceu a advocacia até o ano de 1975, ano em que prestou concurso público e ingressou na Magistratura.

Ainda em 1975, o Juiz, que viria a ser, inclusive, professor da Escola Superior da Magistratura da AJURIS,  começava a jurisdicionar, estagiando como juiz adjunto da 1ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul, então de 3ª entrância.

No mesmo ano de 1975, estagiou, também como juiz adjunto, na Comarca de Não-Me-Toque, esta de 1ª entrância.

Em 1977, concluído o estágio inicial, o Juiz de Direito Leo Lima foi promovido, por merecimento, para a Comarca de 2ª entrância de Santiago.

De 1979 a 1985, foi magistrado na Comarca de Rio Pardo.

Em 1985, foi novamente promovido por merecimento, para a Comarca de Porto Alegre, de 4ª entrância, jurisdicionando como titular da 1ª Vara Criminal do Foro Regional do Partenon e da 4ª Vara Cível do Foro Central.

Em 1990 passou a exercer a função de Juiz-Corregedor.

Em 1992, mais uma vez por merecimento, foi promovido a Juiz do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, atuando nas 1ª, 3ª, 4ª e 9ª Câmaras Cíveis.

No ano de 1997, foi promovido por antiguidade ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, passando a atuar na 1ª Câmara Cível e, também, como integrante, na Comissão de Organização Judiciária, Regimento, Assuntos Administrativos e Legislativos.

Em fevereiro de 2000, assumiu a função de Vice-Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Em 2002, retornou à jurisdição, passando a atuar na 5ª Câmara Cível, sendo, ainda, membro eleito do Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

Em 2005 foi eleito Vice-Presidente e Corregedor-Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul – TRE-RS.

Em 2006, tornou-se presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, onde conduziu as eleições daquele ano, realizando a mais rápida divulgação de resultados da história dos pleitos no Estado.

Em sua passagem pelo TRE o Desembargador Leo Lima, de forma pioneira no Estado, implantou as seções eleitorais em estabelecimentos prisionais.

Foi na sua gestão à frente daquele Tribunal, que se comemorou os 10 anos da implantação da Urna Eletrônica e dos vinte anos do recadastramento eleitoral no Brasil. Nesta condição, Leo Lima recepcionou, durante as eleições de 2006, observadores internacionais, que vieram conhecer o processo eleitoral brasileiro e seu estágio de desenvolvimento tecnológico.

Em fevereiro de 2010, assumiria a Presidência do TJ-RS para o biênio 2010-2011.

Em 25 de agosto de 2010, Leo Lima recebeu, do Comandante do Exército, a Medalha do Pacificador, sendo-lhe outorgado, em 29 de novembro de 2010, pela Câmara Municipal, o título de cidadão honorário de Rio Pardo.

No dia 1º de dezembro de 2010, o Desembargador Leo Lima recebeu a Medalha Tiradentes do chefe de Polícia da Polícia Civil do Estado.

Em 16 de junho de 2011, foi-lhe concedida, pelo Tribunal de Contas do Estado, a Medalha Hercílio Domingues.

No dia 27 de julho do mesmo ano, recebeu, do Prefeito de Uruguaiana, a Medalha de Mérito Municipal.

O Desembargador Leo Lima também recebeu, em 16 de novembro de 2011, do Comandante-Geral da Brigada Militar, a Comenda da Brigada Militar.

Foi olhando para o desembargador e sua obra, a partir deste máximo e honroso posto, que a Capital do Estado, por meio de sua Câmara de Vereadores, reconheceria o valor do Magistrado, outorgando-lhe o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre, no dia 20 de dezembro de 2011.

A partir da gestão do desembargador Leo Lima o judiciário gaúcho passou a interagir com o CNJ de forma proativa. Esta interatividade não tem sido de mera recepção das diretrizes recomendadas pelo Conselho, mas o fato é que, sob a gestão do Desembargador Leo Lima, grande parte dos projetos hoje encabeçados ou colocados em prática pelo CNJ, têm origem nas experiências do TJ/RS.

A presente gestão, na visão de operadores do direito, tem como marca indelével, a implantação do processo eletrônico. Mas destaca-se, também, a postura adotada pela sua Administração, de diálogo permanente e respeitoso com entidades e instituições e também com outras Cortes tais como este Tribunal de Justiça Militar, incluindo-se Cortes superiores  - Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça – e com os Poderes Executivo (Governo do Estado) e Legislativo (Assembleia Legislativa). Foi esta postura que culminou com a solução de diversas pendências de interesse do Judiciário.

Há mais e importantes providências. Uma delas foi a implementação do Plano de Cargos e Salários dos servidores.

No campo da dotação estrutural do judiciário, não se pode deixar de destacar, também, a inauguração do Foro Regional do 4º Distrito da Capital, entre outros no interior do Estado, e as melhorias executadas no prédio do Foro Central.

Desembargador Leo Lima, autoridades presentes, senhoras e senhores,

Lembramos com clareza e alegria algumas passagens do discurso proferido pelo homenageado por ocasião da sua posse como Presidente do Tribunal de Justiça, em 1º de fevereiro de 2010: dizia ele que, na escolha das palavras e do tom, falaria “mais alto a voz da razão, do bom senso e da tolerância”. E dizia que, “sendo assim, estava optando por uma manifestação de congregação e otimismo, até porque, não seria, nem mesmo coerente, num pronunciamento de posse, inaugurando uma Administração Judiciária, pregar a cizânia, a desagregação, numa lastimável perspectiva de, por antecipação, sinalizar para um nada construir”.

E o novo presidente assumia explicitamente, naquela ocasião, “um compromisso com a contínua melhoria dos nossos serviços, em proveito dos que deles necessitam e dependem, sempre na busca de altos índices de satisfação da sociedade. A nossa marca há de ser, como temos destacado de forma reiterada, o diálogo de modo aberto e franco, tendo a legalidade e a ética como nortes.” Pois foi exatamente assim e naqueles termos que a promessa se cumpriu. Inclusive em relação à Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Não só em termos de congregação, otimismo e respeito, mas materialmente em termos de disponibilização regular diante das necessidades de transporte, de produção gráfica, de manutenção em tecnologia de informação, de necessidades orçamentárias, de recursos humanos e plano de carreira. Somadas ao apoio que nos tem sido emprestado pelo Conselho Nacional de Justiça, as suas ações e reações do nosso TJ, Desembargador, contribuíram de forma definitiva para o sensível progresso em termos de modernização da gestão administrativa e jurisdicional desta Justiça Militar estadual. Foi assim que atingimos a condição de estar julgando, hoje, processos de conhecimento de 2011; foi assim e por isso que pudemos conceber e monitorar um planejamento estratégico com horizonte em 2014; é com este apoio que estamos cumprindo, mês a mês, as metas da Justiça Brasileira indicadas pelo CNJ.

Uma carreira no poder judiciário é também uma construção de lembranças fortes. Porque neste cenário passam por nossas mãos mais do que processos, a vida das pessoas. É neste contexto e só nele dentre os poderes de estado, que se descobre e se vive o sentimento de como é difícil produzir justiça.

Esta homenagem, portanto, Desembargador Leo Lima, é um reconhecer de público à postura de cordialidade, valorização e distinção de Vossa Excelência, com referência a este segmento do poder judiciário gaúcho que é a Justiça Militar Estadual.

É de gizar que à época vivíamos momentos de extrema angústia, e a participação de Vossa Excelência no restabelecimento da normalidade institucional desta Justiça Especializada foi decisiva, jamais será esquecida e, antes de tudo, servirá de estímulo para que não esmoreçamos na luta pela continuidade de nossa centenária trajetória, acreditando que podemos e devemos ter participação no cenário judiciário do país, enquanto os valores que tutelamos sejam julgados valiosos pela nação Brasileira.

Ao concluir, peço vênia para fazer minhas as palavras da insigne pensadora alemã, Hanna Arendt, que disse:

“O ser humano é antes de tudo a sua própria história, a sua própria biografia, ou seja, a história real, em que nos engajamos, não é criada. O único alguém que ela revela é o seu herói e ela é o único meio pelo qual a manifestação originalmente intangível de um quem singularmente diferente, pode tornar-se tangível, através da ação e do discurso.”

MUITO OBRIGADO.

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