Artigo - Revista Unidade_Centenário do Tribunal de Justiça Militar
"Centenário do Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul
Na medida em que o tempo passa, a humanidade, a arte, a política, a religião, o esporte têm sua história para relatar e registrar - inclusive a Justiça Militar. A Justiça brasileira tem esferas, competências, jurisdições e organizações judiciárias semelhantes, mas, em suas essências, os tribunais, possuem todos, a mesma finalidade: a prestação jurisdicional. Entre as várias espécies do Gênero Justiça, existe a Justiça Militar, que possui ramificações, tendo, no Brasil, surgido em 1808, com a transferência da Corte Real Portuguesa para o Brasil. No entanto, na história da humanidade, a Justiça Militar é uma das mais antigas. A necessidade de regular a conduta do militar e de proteger as corporações armadas nasceu com o exército dos romanos, no qual foram estabelecidas regras de conduta para a tropa, e foram fixadas severas sanções para quem não as cumprisse.
- 1. História da Justiça Militar
A Justiça Militar, portanto, existe antes mesmo da Justiça Comum. Chegou ao Brasil com a expedição militar de Silva Paes, e com a vinda da família real para nosso país, foi criado o Conselho de Justiça Supremo Militar, embrião do atual Superior Tribunal Militar. Com a criação do Corpo Policial da Província – instituição da qual se originou a Brigada Militar, surgiu a necessidade de se garantir a disciplina da Força Pública, que não apenas fazia o policiamento urbano, como também, tinha a atribuição de proteger o território, recebendo instrução militar. Foi, então, instituída a Justiça do próprio Corpo Policial da Província para garantir a disciplina da força pública, e, em 1848, a Lei Estadual nº 148, trouxe ao ordenamento jurídico o primeiro registro histórico da Justiça Militar no Rio Grande do Sul, quando atribuiu ao Presidente da Província a dedução da parte penal do Exército aqueles princípios que fossem aplicáveis e indispensáveis à manutenção da disciplina em geral e da subordinação em particular. Por conseguinte, em 24 de julho de 2018, a Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul comemora seus 170 anos de existência.
O Regulamento, de 23 de dezembro de 1857, marca o surgimento da Seção de Disciplina, que funcionava junto aos corpos policiais, e do Conselho de Disciplina, formado por um presidente e por três vogais, nomeados pelo Presidente da Província. Por sua vez, a aplicação do Código Penal de Armada, datado de 1891, trouxe maior uniformidade aos julgamentos militares. Um ano depois, em 1892, através do Ato nº 357, de 15 de outubro, o Doutor Fernando Abbott, Secretário de Estado dos Negócios do Interior e do Exterior, no exercício do cargo de Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, criou a Brigada Militar, que como corporação, possuía suas demandas judiciais recursais, em 1893, julgadas pelo Tribunal de Justiça; enquanto a primeira instância era formada pelo Conselho de Julgadores.
A partir de 1918, entrou em funcionamento o Conselho de Apelação, instituído pelo Decreto Estadual nº 2347-A, de 28 de maio de 1918, que além de criar o Regulamento Disciplinar e Processual para a Brigada Militar, deu uma nova estrutura para a Justiça Militar, criando para funcionamento como primeira entrância o Conselho Militar, cuja competência era processar e julgar os oficiais e praças indiciados em crimes propriamente militares; e conceder menagem aos mesmos indiciados, enquanto os respectivos processos não fossem submetidos ao conhecimento do Conselho de Apelação. Ao Conselho de Apelação, atual Tribunal de Justiça Militar, competia julgar, em segunda e última instância, todas as causas que tiverem sido submetidas ao conhecimento do Conselho Militar; julgar as suspeições opostas contra qualquer de seus membros; e conceder menagem aos réus cujos processos se achassem pendentes de sua decisão.
O Rio Grande do Sul possui, portanto, o Tribunal de Justiça Militar mais antigo de todo o Brasil! Que, em 2018, completa seu centenário.
A Lei Federal nº 192, de 17 de janeiro de 1936, reorganizou, nos Estados, as polícias militares tornando-as reservas do Exército e autorizou que cada Estado organizasse a sua Justiça Militar. A Lei dispôs que a Justiça Militar seria constituída pelos Conselhos de Justiça como órgãos de primeira instancia, e a Corte de Apelação ou um Tribunal Especial, estruturaria a segunda.
A organização judiciária militar sofreu outra importante modificação na Constituição de 1946, quando foi posicionada como órgão integrante do Poder Judiciário. Embora, a Justiça Militar tenha seus registros históricos no Poder Executivo, não pertence a este a mais de 70 anos. Ademais, a Justiça Militar Estadual de 1º Grau existe em todos os Estados, mas os Tribunais de Justiça Militares existem como órgãos de 2ª instância apenas nos Estados do Rio Grande do Sul, de São Paulo e de Minas Gerais.
A competência da Justiça Militar foi ampliada, nos estados, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, e consiste em processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e nas ações judiciais contra atos disciplinares militares. Quando se tratar de crimes dolosos contra a vida, a competência do júri prevalece. Ao Tribunal compete decidir originariamente sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Ainda, a Constituição Federal de 1988 define que compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.
A competência da Justiça Militar foi novamente modificada em 2017, quando o Presidente da República sancionou a Lei Federal nº 13.491, que altera o Decreto-Lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969, Código Penal Militar, restando muito clara nova ampliação de competência da Justiça Militar, que passa a processar e julgar, além dos crimes militares estabelecidos no CPM, também aqueles previstos na legislação penal comum e extravagante que adequarem-se a tipificação do artigo 9º do diploma militar. O que se verifica, após essas colocações, é que a Justiça Militar, com o passar dos anos, vem expandindo sua competência e vem se adaptando às transformações sociais para cada vez melhorar sua prestação jurisdicional.
- 2. O Primeiro Grau da Justiça Militar
A Justiça Militar Gaúcha, atualmente, em primeira instância funciona através dos Conselhos Especial e Permanente. O Conselho Especial, formado especificamente para cada processo, julga os oficiais da Brigada Militar, ou as praças, quando denunciadas com oficiais pelo mesmo fato; é composto por um Juiz de Direito e quatro oficiais superiores da Brigada Militar; o Presidente do Conselho é o Juiz Togado. O Conselho Permanente funciona para todos os processos por três meses consecutivos e julga as praças da Brigada Militar. Também composto por cinco membros, sendo um Juiz de Direito do Juízo Militar, que atua como Presidente do Conselho, um oficial superior e três oficiais, capitães ou tenentes. Os julgamentos realizados pelos Conselhos de Justiça, contam com a participação do Promotor de Justiça e de um advogado indicado pelo réu ou um Defensor Público.
As Auditorias da Justiça Militar são dirigidas pelo Juiz de Direito Titular e contam, ainda, com um Juiz Substituto, com o qual, o Juiz Titular compartilha a atividade jurisdicional. As Auditorias correspondem às varas ou aos juízos da Justiça Comum e seus respectivos cartórios. A Justiça Militar do Rio Grande do Sul possui quatro Auditorias: duas em Porto Alegre, uma em Santa Maria e uma em Passo Fundo, cada uma com circunscrição judiciária própria.
A Primeira Auditoria da Justiça Militar de Porto Alegre, criada pelo Decreto Estadual nº 2.347-A, em 28 de maio de 1918, também completa com o Tribunal de Justiça Militar, em 2018, seu centenário. A Segunda Auditoria da Justiça Militar foi criada pela Lei Estadual nº 3.350, em 27 de dezembro de 1957, e está localizada em Santa Maria. A referida Lei elevou a Primeira Auditoria a primeira entrância enquanto determinou que a Auditoria de Santa Maria fosse de segunda entrância. A Terceira Auditoria localizada em Passo Fundo, foi criada pela Resolução do Tribunal de Justiça, de 22 de novembro de 1975, publicada no Diário Oficial do Estado. A última Auditoria ou a Segunda Auditoria de Porto Alegre, a mais nova de todas, foi criada em 15 de outubro de 1982, através da Lei Estadual nº 7.706.
A Lei Estadual nº 7.356, de 1º de fevereiro de 1980, o Código de Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, que regula a divisão e a organização judiciárias do Estado, compreendendo a constituição, estrutura, atribuições e competência dos tribunais, juízes e Serviços Auxiliares da Justiça Militar, dividiu o Estado em três circunscrições judiciárias e classificou em entrância final as Auditorias de Porto Alegre e entrância intermediária as Auditorias de Passo Fundo e Santa Maria.
- 3. O Tribunal de Justiça Militar
A Segunda Instância da Justiça Militar no Estado do Rio Grande do Sul possui atribuição recursal quando julga os recursos oriundos das ações judiciais que tramitaram na primeira instância e julga, originariamente, as ações que envolvem a perda da graduação dos oficiais e praças da Brigada Militar. Em 1980, o Código de Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual 7.356/1980) fixa a atual composição do Tribunal Castrense.
O Tribunal é, conforme disposição legal, constituído por sete juízes, sendo quatro militares, oficiais combatentes do mais alto posto da Brigada Militar (Coronéis da ativa), nomeados pelo Governador; três juízes civis, sendo um magistrado de carreira, promovido pelo Tribunal de Justiça Militar; um promotor ou procurador do Ministério Público e um advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul, ambos nomeados pelo Governador.
A aplicação do quinto constitucional ocorre no Tribunal de Justiça Militar na proporção de uma vaga para os membros do Ministério Público e uma vaga para os advogados, sem alternatividade no preenchimento. Nesses julgamentos também atuam um Procurador de Justiça, designado pela Procuradoria-Geral de Justiça, e os advogados indicados pelas partes, ou, no lugar destes, um Defensor Público.
- 4. Modernização Faz Parte de Todo o Processo!
O Tribunal de Justiça Militar é uma instituição “viva” não somente porque preserva, relembra e divulga sua história, mas também porque está em busca de modernização. Em períodos de globalização, uma instituição não deve se ater somente à sua atividade fim, por isso o Tribunal de Justiça Militar, no entanto, realiza as atividades administrativas e jurisdicionais durante esses 100 anos sem prejuízo à evolução social e às novas práticas trazidas pelas tecnologias de informação e comunicação disponíveis.
O atual contexto introduzido pela Lei Federal nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, trouxe à Justiça Militar a necessidade de criação do processo judicial eletrônico. Aliado à sustentabilidade, o processo judicial eletrônico está modernizando a estrutura judiciária militar. Em 2018, esta Justiça Especial em parceria com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região lançou a implementação do prestigiado e eficiente eproc. O eproc é um sistema 100% funcional e ágil, desenvolvido com tecnologia de software livre e elogiado pelos seus usuários, os operadores do direito. Através do eproc, será possível eliminar o uso do papel e garantir a celeridade processual. Aliás, a celeridade é a grande marca da Justiça Militar no Rio Grande do Sul, onde 252 dias é o tempo médio de tramitação de um processo judicial desde a data de protocolo até o arquivamento, considerando o trâmite nos dois graus de jurisdição; 553 dias é o tempo médio para o jurisdicionado da Justiça Militar obter uma sentença nos processos no Primeiro Grau; e, 69 dias é o tempo médio para o jurisdicionado obter uma decisão em grau recursal no Segundo Grau. A virtualização processual tende a diminuir ainda mais o tempo médio da prestação jurisdicional na Justiça Militar gaúcha.
Ademais, a virtualização processual é a meta que ainda deve ser cumprida para que a Justiça Militar no Rio Grande do Sul obtenha a certificação diamante de excelência entre os tribunais brasileiros. O Conselho Nacional de Justiça, anualmente, avalia os tribunais e atribui uma série de requisitos a serem cumpridos para que as justiças obtenham certificação. A Justiça Militar gaúcha possui três selos ouros, obtidos em 2017, 2016 e 2015; e um selo bronze, obtido em 2014, o Selo Justiça em Números visa ao reconhecimento dos tribunais que investem na excelência da produção, gestão, organização e disseminação de suas informações administrativas e processuais. São considerados tribunais com nível de excelência na gestão da informação aqueles capazes de extrair dados analíticos de todas as suas unidades judiciárias, em sistemas padronizados de acordo com as regras das Tabelas Processuais Unificadas e nos padrões do Modelo Nacional de Interoperabilidade do Conselho Nacional de Justiça.
Em termos de estudo, o aprimoramento e a divulgação do direito militar tem sido um dos marcos da atual gestão do Tribunal, que tem aproximado a Justiça Militar dos acadêmicos de Direito, através de visitas de estudantes de Direito à Corte, para participarem de sessões jurisdicionais, com a preparação de seminários e palestras; e através do fomento de parcerias para cursos de pós-graduação lato sensu, especialização e extensão, em Direito Militar. A Justiça Militar, apesar de contar com 170 anos no Rio Grande do Sul, é uma ilustre desconhecida dos acadêmicos.
O Tribunal de Justiça Militar, no seu centenário, comemora com a sociedade gaúcha a otimização do trâmite processual, a busca pelo aprimoramento, a gestão de governança, a promoção de sua ampliação como Justiça Especial, à reafirmação de sua identidade como Justiça através do fortalecimento de sua comunicação com os públicos interno e externo e a interação com os demais órgãos de justiça e universidades. Tanto o passado, como o presente revelam que a Justiça Militar gaúcha é o alicerce que conserva firme a nossa valorosa Brigada Militar, e através da prestação jurisdicional mantém o padrão dos serviços de polícia ostensiva e o de preservação da ordem pública aos cidadãos. O Estado do Rio Grande do Sul orgulha-se de ter a melhor Polícia Militar do Brasil, e, em grande parte, essa qualidade deve-se ao trabalho desta Justiça Militar, que inclui em seu planejamento estratégico se tornar a melhor Justiça Especializada do país."
Juiz Militar Paulo Roberto Mendes Rodrigues
Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul