Alteração na Competência da Justiça Militar


Amilcar Fagundes Freitas Macedo,

Corregedor-Geral da Justiça Militar Estadual - RS

 

No último dia 13 de outubro de 2017, o Presidente da República sancionou a novel Lei Federal n.ᵒ 13.491 que altera o Decreto-Lei n.ᵒ 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar.

O cerne da alteração trazida pela nsorma antes citada é o artigo 9° da lei penal castrense, o qual sofreu alteração no inciso II do aludido artigo, sendo acrescidos os parágrafos §§ 1° e 2°, este último contando com três incisos e alíneas.

A redação anterior do inciso II do artigo 9° mencionava que eram considerados crimes militares, em tempo de paz, os previstos no Código Penal Militar, embora também o fossem com igual definição na lei penal comum, quando praticados na forma das alíneas “a” a “e” do mencionado inciso. Pois bem, com a alteração da redação trazida pela novel legislação, agora são considerados crimes militares, em tempo de paz, “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados” na forma das alíneas referidas, as quais não foram objeto de modificação.

Resta muito clara a ampliação de competência da Justiça Militar, que passa a processar e julgar, além dos crimes militares estabelecidos no Código Penal Militar, também aqueles previstos na legislação penal comum e extravagante, os quais passam a ser considerados crimes militares, quando praticados na forma das alíneas “a” a “c”, do inciso II, do artigo 9°, do Código Penal Militar.

            Vem em boa hora tal modificação, haja vista que enquanto a legislação penal comum sofreu uma série de atualizações, principalmente nas duas últimas décadas, a legislação militar ficou praticamente estática, não sendo o código castrense objeto dessa atualização, com novos tipos penais criados pela legislação penal brasileira, que agora se faz presente no cenário legal e jurídico do País.

Obviamente que, com relação à Justiça Militar dos Estados, esta ampliação de competência somente acontece quando o crime é praticado por policial militar e/ou bombeiro militar, não havendo, por parte desse segmento especializado, a competência para o julgamento de civis. Assim, qualquer crime previsto na legislação penal comum e extravagante, quando praticado por policial militar ou bombeiro militar, na forma do artigo 9° do Código Penal, será da competência da Justiça Militar Estadual seu processamento e julgamento, exceção aos crimes militares dolosos contra a vida, os quais permanecem sendo processados e julgados pelo Tribunal do Júri, por força constitucional.

Uma consequência imediata de tal atualização da legislação penal militar se dá em razão de sua natureza processual, em virtude da modificação da competência, que faz com que todos os processos criminais que envolvam militares federais ou estaduais, na condição de autores, que tramitam nas Justiças Federal e Estadual, passem a ser considerados crimes militares e, assim, devem ser remetidos à Justiça Militar, da União ou dos Estados, dependendo do agente estatal envolvido, na situação processual em que se encontram, haja vista a falência da competência de tais esferas do Judiciário para prosseguirem no processamento e julgamento, em razão da modificação legislativa que ora entra em vigor.

Outra modificação legislativa importante diz respeito ao antigo parágrafo único, o qual foi dividido em parágrafos primeiro e segundo. No primeiro, manteve-se a competência do Tribunal do Júri para o processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares (federais e estaduais) contra civis. Aliás, no que tange aos militares estaduais (policiais militares) essa competência do Júri é constitucional, haja vista o teor do parágrafo quarto do art. 125 da Constituição Federal. No segundo, houve um alargamento dos casos de exceção à competência do Júri, quanto aos crimes dolosos contra a vida, praticados por militares das Forças Armadas, contra civis, nas hipóteses do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro da Defesa, em ações que envolvam a segurança de instituições militares ou de missão militar, mesmo que não beligerante, atividades de natureza militar, de operação de paz, garantia de lei e da ordem (GLO) ou de atribuição realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal. Manteve-se a exceção aos casos cometidos no contexto da Lei n.° 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), notadamente nos casos de abate de aeronaves consideradas hostis, na forma do artigo 303 da referida lei. Em verdade, aqui se trata de excludente de ilicitude em virtude de estrito cumprimento de um dever legal.

Acrescentou-se, também, como exceção à regra do Júri, eventuais atividades de natureza militar praticadas no contexto da Lei Complementar n.° 97/99, a qual versa sobre organização, preparo e emprego das Forças Armadas; Decreto-Lei n.° 1.002/69; o conhecido Código de Processo Penal Militar, assim como a Lei n.° 4.737/65, o Código Eleitoral.

Em todas as hipóteses acima elencadas, havendo emprego das Forças Armadas e ocorrendo situações de crimes dolosos contra a vida de civis, a competência é da Justiça Militar da União.

Parece-nos que tais exceções praticamente esvaziam a regra geral, pois em raras hipóteses, talvez em situações fora o horário de expediente e fora de serviço é que um militar federal poderá se sujeitar ao julgamento pelo Júri, em casos de crimes dolosos contra a vida. Também não se desconhece que os casos de crimes dolosos contra a vida praticados por militares federais em situação de atividade são raríssimos, o que não redundará em profundas modificações das situações fáticas hoje verificadas.

O escopo da nova Lei foi o de preservar a competência da Justiça Militar da União, para tais crimes, em todas as hipóteses de emprego das Forças Armadas, na forma do art. 142 da Constituição Federal.

Por fim, o artigo 2° trazia a figura da lei temporária, pois previa vigência da novel legislação até o dia 31 de dezembro de 2017, hipótese em que somada ao princípio da irretroatividade da lei penal, faria com que tivesse vigência, em alguns de seus dispositivos, por escassos dois meses, o que não se verificou ante ao veto imposto pelo Chefe do Poder Executivo a tal artigo.

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